1. Desenvolvimento motor
O desenvolvimento motor representa um aspecto do
processo desenvolvimentista total e está intrinsecamente inter-relacionado às
áreas cognitivas e afetivas do comportamento humano, sendo influenciado por
muitos fatores. A importância do desenvolvimento motor ideal não deve ser
minimizada ou considerada como secundária em relação a outras áreas do
desenvolvimento. Portanto, o processo do desenvolvimento motor revela-se
basicamente por alterações no comportamento motor, do bebê ao adulto, é um
envolvido no processo permanente de aprender a mover-se eficientemente, em
reação ao que enfrentamos diariamente em um mundo em constante modificação
(GALLAHUE; OZMUN, 2002).
Nos primeiros anos de vida a criança explora o mundo
que a rodeia com os olhos e as mãos, através das atividades motoras. Ela
estará, ao mesmo tempo, desenvolvendo as primeiras iniciativas intelectuais e
os primeiros contatos sociais com outras crianças. É em função do seu
desenvolvimento motor que a criança se transformará numa criatura livre e
independente (BATISTELLA, 2001).
Segundo Oliveira (2001), toda seqüência básica do
desenvolvimento motor está apoiada na seqüência de desenvolvimento do cérebro,
visto que a mudança progressiva na capacidade motora de um indivíduo,
desencadeada pela interação desse indivíduo com seu ambiente e com a tarefa em
que ele esteja engajado. Em outras palavras, as características hereditárias de
uma pessoa, combinada com condições ambientais específicas (como por exemplo,
oportunidade para prática, encorajamento e instrução) e os próprios
requerimentos da tarefa que o indivíduo desempenha, determinam a quantidade e a
extensão da aquisição de destrezas motoras e a melhoria da aptidão (GALLAHUE;
OZMUN, 2002).
2. Elementos básicos do desenvolvimento motor
2.1. Motricidade fina
Motricidade Fina “é uma atividade de movimento
espacialmente pequena, que requer um emprego de força mínima, mas grande
precisão ou velocidade ou ambos, sendo executada principalmente pelas mãos e
dedos, às vezes também pelos pés” (MEINEL, 1984, p.154).
A coordenação fina diz respeito à habilidade e
destreza manual ou pedal constituindo-se como um aspecto particular na
coordenação global.
Habilidades motoras finas requerem a capacidade de
controlar os músculos pequenos do corpo, a fim de atingir a execução
bem-sucedida da habilidade (MAGILL, 1984). Conforme Canfield (1981), a
motricidade fina envolve a coordenação óculo-manual e requerem um alto grau de
precisão no movimento para o desempenho da habilidade específica, num grande
nível de realização. Podemos citar exemplo da necessidade desta habilidade que
seria na realização de tarefas como escrever, tocar piano, trabalhar em
relógios etc.
A coordenação viso manual representa a atividade mais
freqüente utilizada pelo homem, pois atua para inúmeras atividades como pegar
ou lançar objetos, escrever, desenhar, pintar, etc (ROSA NETO, 1996). Velasco
(1996, p. 107) destaca que “a interação com pequenos objetos exigem da criança
os movimentos de preensão e pinça que representam a base para o desenvolvimento
da coordenação motora fina”.
2.2. Motricidade global
Segundo Batistella (2001), a motricidade global tem
como objetivo a realização e a automação dos movimentos globais complexos, que
se desenrolam num certo período de tempo e que exigem a atividade conjunta de
vários grupos musculares.
A motricidade global envolve movimentos que envolvem
grandes grupos musculares em ação simultânea, com vistas à execução de
movimentos voluntários mais ou menos complexos.
Dessa forma, as capacidades motoras globais são
caracterizadas por envolver a grande musculatura como base principal de
movimento. No desempenho de habilidades motoras globais, a precisão do
movimento não é tão importante para a execução da habilidade, como nos casos
das habilidades motoras finas. Embora a precisão não seja um componente
importante nesta tarefa, a coordenação perfeita na realização deste movimento é
imprescindível ao desenvolvimento hábil desta tarefa (MAGILL, 1984).
A coordenação global e as experimentações feitas pela
criança levam a adquirir a dissociação do movimento, levando-a a ter condições
de realizar diversos movimentos simultaneamente, sendo que cada um destes
movimentos pode ser realizado com membros diferentes sem perder a unidade do
gesto (OLIVEIRA, 2001).
A conduta motora, de coordenação motora global é
concretizada através da maturação, motora e neurológica da criança. Para isto
ocorrer haverá um refinamento das sensações e percepções, visual, auditiva,
sinestésica, tátil e principalmente proprioceptiva, através da solicitação
motora que as atividades infantis requerem (VELASCO, 1996).
2.3. Equilíbrio
O equilíbrio é a base primordial de toda ação
diferenciada dos membros superiores. Quanto mais defeituoso é o movimento mais
energia consome, tal gasto energético poderia ser canalizado para outros
trabalhos neuromusculares. Nesta luta constante, ainda que inconsciente, contra
o desequilíbrio resulta numa fatiga corporal, mental e espiritual, aumentando o
nível de stress, ansiedade, e angustia do indivíduo.
A postura é a atividade reflexa do corpo com respeito
ao espaço. O equilíbrio considerado como o estado de um corpo, quando distintas
e encontradas forças que atuam sobre ele se compensam e se anulam mutuamente.
Desde o ponto de vista biológico, a possibilidade de manter posturas, posições
e atitudes indica a existência de equilíbrio.
O equilíbrio tônico postural do sujeito, seu gesto,
seu modo de respirar, sua atitude, etc., são o reflexo de seu comportamento,
porém ao mesmo tempo de suas dificuldades e de seus bloqueios. Para voltar a
encontrar seu estado de equilíbrio biopsicossocial, é necessário liberar os
pontos de maior tensão muscular (couraças musculares), isto é, o conjunto de
reações tônicas de defesa integradas a atitude corporal. No plano da
organização neuropsicológica, se pode dizer que o equilíbrio tônico postural
constitui o modelo de auto-regulação do comportamento (ROSA NETO, 1996).
Asher (1975), considera que as variações da postura
estão associadas a períodos de crescimento, aparecendo como uma resposta aos
problemas de equilíbrio que costumam ocorrer segundo as mudanças nas proporções
corporais e seus segmentos. Conforme Rosa Neto (1996), a postura inadequada
está associada a uma excessiva tensão que favorece um maior trabalho
neuromuscular, dificultando a transmissão e informações dos impulsos nervosos.
2.4. Esquema corporal
A imagem do corpo representa uma forma de equilíbrio.
Em um contexto de relações mútuas do organismo e do meio é onde se organiza a
imagem do corpo como núcleo central da personalidade (ROSA NETO, 1996).
O esquema corporal é um elemento básico indispensável
para a formação da personalidade da criança. É a representação relativamente
global, científica e diferenciada que a criança tem de seu próprio corpo
(WALLON, 1975).
A criança percebe-se e percebe os seres e as coisas
que a cercam, em função de sua pessoa. Sua personalidade se desenvolverá a uma
progressiva tomada de consciência de seu corpo, de seu ser, de suas
possibilidades de agir e transformar o mundo à sua volta. Ela se sentirá bem na
medida em que seu corpo lhe obedece, em que o conhece bem, em que o utiliza não
só para movimentar-se, mas também para agir (PEREIRA, 2002).
As atividades tônicas, que está relacionada à
atitude, postura e a atividade cinética, orientada para o mundo exterior. Essas
duas orientações da atividade motriz (tônica e cinética), com a incessante
reciprocidade das atitudes, da sensibilidade e da acomodação perceptiva e
mental, correspondem aos aspectos fundamentais da função muscular, que deve
assegurar a relação com o mundo exterior graças aos deslocamentos e movimentos
do corpo (mobilidade) e assegurar a conservação do equilíbrio corporal,
infra-estrutura de toda ação diferenciada (tono). A função tônica se apresenta
em um plano fisiológico, em dois aspectos: o tono de repouso o estado de tensão
permanente do músculo que se conserva inclusive durante o sono; o tono de
atitude, ordenado e harmonizado pelo jogo complexo dos reflexos da atitude,
sendo estes mesmos, resultado das sensações proprioceptivas e da soma dos
estímulos provenientes do mundo exterior (ROSA NETO, 1996).
A imagem corporal como resultado complexo de toda a
atividade cinética, sendo a imagem do corpo a síntese de todas as mensagens, de
todos os estímulos e de todas as ações que permitam a criança se diferenciar do
mundo exterior, e de fazer do “EU” o sujeito de sua própria existência. O
esquema corporal pode ser definido no plano educativo, como a chave de toda a
organização da personalidade (PEREIRA, 2002).
2.5. Organização espacial
A noção do espaço é uma noção ambivalente, ao mesmo
tempo concreta e abstrata, finita e infinita. Na vida cotidiana utilizamos
constantemente os dados sensoriais e perceptivos relativos ao espaço que nos
rodeia. Estes dados sensoriais contêm as informações sobre as relações entre os
objetos que ocupam o espaço, porém, é nossa atividade perceptiva baseada sobre
a experiência do aprendizado a que lhe dá um significado. A organização
espacial depende simultaneamente da estrutura de nosso próprio corpo (estrutura
anatômica, biomecânica, fisiológica, etc.), da natureza do meio que nos rodeia
e de suas características (ROSA NETO, 1996).
Todas as modalidades sensoriais participam pouco ou
muito na percepção espacial: a visão; a audição; o tato; a propriocepção; e o
olfato. A orientação espacial designa nossa habilidade para avaliar com
precisão a relação física entre nosso corpo e o meio ambiente, e a tratar as
modificações no curso de nossos deslocamentos (OLIVEIRA, 2001).
As primeiras experiências espaciais estão
estreitamente associadas ao funcionamento dos diferentes receptores sensoriais
sem os quais a percepção subjetiva do espaço não poderia existir; a integração
contínua das informações recebidas conduz a sua estruturação, e ação eficaz
sobre o meio externo. Olho e ouvido; labirinto; receptores articulares e
tendinosos; fusos neuromusculares e pele; representam o ponto de partida de
nossa experiência espacial (ROSA NETO, 1996).
A percepção relativa à posição do corpo no espaço e
de movimento tem como origem estes diferentes receptores com seus limites
funcionais, enquanto que a orientação espacial dos objetos ou dos elementos do
meio, necessita mais da visão e audição. Está praticamente estabelecido que da
interação e da integração destas informações internas e externas provem nossa
organização espacial (OLIVEIRA, 2001).
Segundo as características das nossas atividades,
podemos utilizar duas dimensões do espaço plano distância ou profundidade. A
pele apresenta receptores táteis onde a concentração modifica de uma região a
outra no corpo. A separação dos pontos de estimulação permite fazer diferenças
entre o contínuo e o distinto. Os índices táteis, associados aos índices
sinestésicos resultam da exploração de um objeto que permite o reconhecimento
das formas (esterognosia) em ausência da visão (sentido háptico). Os
deslocamentos de uma parte do corpo sobre uma superfície plana podem ser
apreciados pela sinestesia tanto no caso dos movimentos lineares como
angulares. As sensações vestibulares abastecem índices sobre certos dados
espaciais (orientação, velocidade e aceleração). Chegam aos núcleos
vestibulares, ao cerebelo e ao lóbulo frontal, porém só contribuem muito
debilmente a percepção dos deslocamentos. Não obstante, durante os
deslocamentos passivos onde a visão e a sinestesia não intervêm, a orientação
espacial diminui, geralmente se existe lesão do sistema vestibular (RIGAL,
1988).
2.6. Organização temporal
Percebemos o transcurso do tempo a partir das
mudanças que se produzem durante um período estabelecido e da sua sucessão que
transforma progressivamente o futuro em presente e depois em passado. O tempo é
antes de tudo memória, à medida que leio, o tempo passa. Assim aparecem os dois
grandes componentes da organização temporal, a ordem e a duração, que o ritmo
reúne, o primeiro define a sucessão que existe entre os acontecimentos que se
produzem, uns a continuação de outros, numa ordem física irreversível; a
segunda permite a variação do intervalo que separa os dois pontos, o princípio
e o fim de um acontecimento. Esta medida possui diferentes unidades
cronométricas como o dia e suas divisões, horas, minutos e segundos. A ordem ou
distribuição cronológica das mudanças ou acontecimentos sucessivos representa o
aspecto qualitativo do tempo e a duração seu aspecto quantitativo (ROSA NETO,
1996).
A organização temporal inclui uma dimensão lógica
(conhecimento da ordem e duração, os acontecimentos se sucedem com intervalos),
uma dimensão convencional (sistema cultural de referências, horas, dias,
semanas, meses, e anos) e um aspecto de vivência, que aparece antes dos outros
dois (percepção e memória da sucessão e da duração dos acontecimentos na
ausência de elementos lógicos ou convencionais). A consciência do tempo se
estrutura sobre as mudanças percebidas, independente de ser sucessão ou
duração, sua retenção depende da memória e da codificação da informação contida
nos acontecimentos. Os aspectos relacionados à percepção do tempo, evolucionam
e amadurecem com a idade. No tempo psicológico organizamos a ordem dos
acontecimentos e estimamos sua duração, construindo assim nosso próprio tempo.
A percepção da ordem nos leva a distinguir o simultâneo do sucessivo, variando
o umbral segundo os receptores utilizados. A percepção da duração começa pela
discriminação do instantâneo e do duradouro que se estabelece a partir de 10 ms
a 50ms para a audição e 100ms a 120ms para a visão (RIGAL, 1988).
2.7. Lateralidade
O corpo humano está caracterizado pela presença de
partes anatômicas pares e globalmente simétricas. Esta simetria anatômica se
redobra, não obstante, por uma assimetria funcional no sentido de que certas
atividades que só intervêm numa das partes. Por exemplo, escrevemos com uma só
mão; os centros de linguagem se situam na maioria das pessoas no hemisfério
esquerdo. A lateralidade é a preferência da utilização de uma das partes
simétricas do corpo: mão, olho, ouvido, perna; a lateralização cortical é a
especialidade de um dos dois hemisférios enquanto ao tratamento da informação
sensorial ou enquanto ao controle de certas funções (OLIVEIRA, 2001).
A lateralidade está em função de um predomínio que outorga
a um dos dois hemisférios a iniciativa da organização do ato motor, que
desembocará na aprendizagem e a consolidação das praxias. Esta atitude
funcional, suporte da intencionalidade, se desenvolve de forma fundamental no
momento da atividade de investigação, ao largo da qual a criança vai
enfrentar-se com seu meio. A ação educativa fundamental para colocar a criança
nas melhores condições para aceder a uma lateralidade definida, respeitando
fatores genéticos e ambientais, é permitir-lhe organizar suas atividades
motoras (ROSA NETO, 1996).
Segundo Pereira (2002), a definição de uma das partes
do corpo só ocorre por volta dos sete anos de idade, antes disso, devem-se
estimular ambos os lados, para que a criança possa descobrir por si só, qual o
seu lado de preferência. “A preferência pelo uso de uma das mãos geralmente se
evidencia aos três anos”.
3. Avaliação motora
O padrão de crescimento e comportamento motor humano
que se modifica por meio da vida e do tempo; e a grande quantidade de influência
que os afetam, constituem basicamente por diferentes teorias científicas e
sustentam a evolução de estudos que se caracterizam pelas técnicas de pesquisa
e pelos meios utilizados na obtenção de dados, que são elaborados e discutidos,
como forma de elucidar os diferentes vieses que perfazem a existência do homem
e sua evolução física, orgânica, cognitiva e psicológica. Os conceitos,
ilustrações e teorias adicionam ao contexto, a estrutura necessária para que
tais estudos possam legitimar-se e oferecer fundamentos fidedignos sobre as
hipóteses que pretendem estabelecer e discutir. É importante lembrar que o
caráter estatístico de nível normal de referência dos testes não engloba o
mesmo valor para todas as populações, tendo em conta os aspectos afetivos e
sociais (ROSA NETO, 1996).
Normalmente utilizam-se testes para conhecer as
características e necessidades individuais das pessoas, isto se torna
indispensável se pensar em cada vez mais atender o desenvolvimento das pessoas,
em especial as crianças, como o máximo de acertos possíveis para que seu
desenvolvimento ocorra dentro dos períodos desejáveis, contribuindo assim, para
com um desenvolvimento pleno.
Para que tenhamos estas informações devemos lançar
mão de meios auxiliares que como já comentamos anteriormente seria a utilização
de testes. É importante destacar que para esta avaliação não são utilizados
somente um único teste e sim um conjunto de testes, a fim de examinarmos a
criança em todas as dimensões do desenvolvimento humano (ROSA NETO, 1996).
A observação do comportamento humano feito através de
testes já se constitui prática antiga, através de estudos realizados por
autores clássicos, como Ozeretski, Guilmain, Grajon, Zazzo, Piaget, Stambak,
Picq e Vayer, entre outros que se dedicaram ao estudo da criança (ROSA NETO,
1996).
Testes padronizados, que embora bastante antigos, mas
que freqüentemente são revisados destacam-se na avaliação física, afetiva,
cognitiva e motora dos seres humanos.
De acordo com Rigal et al. (1993), existe uma
grande quantidade de testes, que por sua facilidade de utilização e sua relação
com as diferentes aprendizagens escolares, são muito úteis para medir o
comportamento humano, entre eles, destacamos a Escala de Desenvolvimento Motor
- EDM (ROSA NETO, 1996).
Considerações finais
Acredita-se que para ensinar eficientemente é preciso
acompanhar às crianças e analisar suas necessidades e interesses.
Dessa forma, entender a relação entre a idade da
criança com a fase e característica motora pelas quais passam, constitui-se
para um melhor acompanhamento do desenvolvimento motor. Assim, destacamos a
importância do conhecimento dos profissionais de Educação Física, no que tange
a avaliação motora da criança, como forma de melhor acompanhar seu desempenho e
detectar possíveis problemas de ordem motora, além de poder influenciar no
processo de desenvolvimento que ocorre desde a concepção.